Olga Noronha expõe esculturas pós-humanas no Museu da Quinta de Santiago

Exposição “Corpo-Escultura” vai ser inaugurada a 13 de julho, ficando patente até 15 de setembro.

O Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, mostra a partir de sábado, 13 de julho, uma nova exposição de Olga Noronha, “Corpo-Escultura”. A artista, que já antes apresentou em Matosinhos os projetos “Joalharia medicamente prescrita”, em 2013, e a sua primeira mostra individual, “Silêncios Ilustrados”, em 2006, cria desta vez um conjunto de peças escultóricas que se relacionam com a joalheria, com o design de moda e com a performance, numa abordagem que o crítico Bernardo Pinto de Almeida situa no domínio das derivações pós-humanas.

“Em certa medida poderemos afirmar que estas peças de Olga Noronha se destinam a reconfigurar os corpos, a redesenhá-los — já que depois repousam, fora deles, como as antigas armaduras medievais, que, quando esvaziadas, se figuravam, nesse plano estático, como formas escultóricas típicas —, e reinvestem-nos de uma presença excessiva”, escreveu Pinto de Almeida do texto que produziu para o catálogo da exposição.

“Corpo-Escultura”, que estará patente até 15 de setembro no Museu da Quinta de Santiago, apresenta, assim, um conjunto de peças escultóricas que reconfiguram e re-imaginam o corpo humano, ao modo das antigas máscaras tribais, permanecendo, todavia, como objetos autónomos e concretos para além da presença do corpo. “Aqui, e graças ao uso destas peças, é o próprio corpo que se torna escultórico, e mesmo performático, graças ao investir dessas extensões que o ‘trans-formam’”, sublinha Bernardo Pinto de Almeida.

Olga Noronha: do pragmatismo científico ao conceptualismo da arte

Autora de um percurso artístico com passagem por Inglaterra, Estados Unidos da América, Espanha, França, Chipre e Itália, Olga Noronha nasceu em 1990, no Porto, e é licenciada em Design de Joalheria pelo Central Saint Martins College of Art & Design, em Londres, tendo o seu trabalho “Dirty Tissues” sido considerado o melhor dos 21 anos do curso e, assim, adquirido por aquela faculdade para integrar o seu espólio privado. É atualmente curadora da Sala Futuro do Museo Del Gioiello Vicenza, em Itália.

O trabalho desenvolvido pela artista tem circulado entre áreas distintas e dicotómicas, visando conjugar o pragmatismo científico e o conceptualismo da arte. Partindo de um fascínio pelos rituais médico-cirúrgicos, mas também da sua ligação à ModaLisboa, Olga Noronha tem procurado abordar o corpo humano de uma perspetiva artística e filosófica, relacionando-o e completando-o com objetos que lhe são estranhos e que lhe conferem complexidade e abstração.

Olga Noronha: Corpo-escultura

Por Bernardo Pinto de Almeida (Maio/Junho 2019)

Para Olga Noronha, o lugar natural da escultura é, definitivamente, o corpo.

Todavia, e operando diversamente em relação à que foi a concepção típica que organizou a matriz fundadora de toda a escultura clássica, que tomava o corpo como sua referência central e absoluta, ou da escultura moderna, que se relacionava, sob diversas modalidades, com o espaço envolvente — o que, ao libertá-la da referencialidade figurativa do corpo, lhe permitiu tornar-se, enfim, abstracta — as suas obras de escultura, nascendo embora a partir das formas do corpo, já não o querem tomar como modelo referencial. O corpo, nelas, jamais se representa como um todo, ou como presença modelar, mas, apenas, como um lugar ou, melhor ainda, como um teatro de operações.

Quer isto dizer que as suas formas nascem ora de uma atenta observação da plasticidade do corpo (isto é, das posições requeridas pelo seu movimento e pela sua deslocação), ora da compreensão da sua performatividade (realizada através da percepção das relações próprias da sua anatomia, tomada por inteiro ou em partes) ora, até, das suas imagens, nomeadamente reportando-se às imagens do seu espaço interior (quando radiografado). Ou seja, elas partem do corpo mas, agora, sem o tomar já como sua referência figurativa absoluta, apropriam-no diversamente: ora como suporte, ora como molde, ora, ainda, como espaço. E, portanto, este já é só residualmente evocado como presença, e jamais figurado como um todo. As suas formas tendem, assim, desconstrutivamente, a entender o corpo como uma construção, obtida a partir da montagem de várias partes, e a agir em relação a ele a partir dessa nova concepção, assente sobre a sua parcelaridade.

Reportam dele, mas apenas enquanto formas que restam de algo que entretanto se ausentou (como acontece com uma forma separada do seu molde, de que as conchas são o melhor exemplo), e de que permanecem apenas como memória ou como imagem, como projecções ou mesmo como adornos, mimando-se como formas susceptíveis de servir ao seu revestimento — e, daí, a sua eventual confusão com a joalharia ou com o design, onde começou, mas de que na verdade cada vez mais se afasta, tanto formal como conceptualmente — e como se os corpos a que as peças depois vestem fossem trabalhados por elas, à maneira das figurações pós-humanas.

Na sua série de estreia como artista, a que apropriadamente chamou “Joalharia medicamente prescrita” — mostrada pela primeira vez em exposição no Museu da Quinta de Santiago (Matosinhos) — a artista partia já desta essencial ambiguidade entre as formas que se representavam como extensões protésicas do corpo e as da joalharia, que redefinia sempre como se fossem próteses, como tal susceptíveis de ampliar, corrigir, remodelar ou adequar-se plasticamente aos corpos, tornando-os extensivos.

Um corpo-manequim…

Talas, corpetes, coletes, ou mesmo complexas formas daquilo que vulgarmente se designa de próteses intra-corporais eram, assim, transformadas em estranhos, quando não perturbantes adereços, destinados a juntar ao corpo e a ser usados nele, mas agora como formas escultóricas. Formas concebidas, portanto, a partir de uma paródia das próteses medicamente prescritas pelos especialistas em correcção anatómica e ósteo-muscular.

Deste modo, o uso destas peças inscrevia cada corpo de uma função propriamente performativa, uma vez que se aplicava, nele, de um modo análogo ao de uma máscara, transformando-o, desse modo, num mero suporte funcional. Um corpo passava, graças ao uso destas peças, a ter uma função análoga à dos manequins, ou à do corpo tribal quando investido da máscara durante a cerimónia ritual.

Assim, na medida em que o uso dessas peças o transformava em seu suporte, contingente assim ao modo como aquelas comunicavam para além dele. Por tudo isto é tão importante compreender que estas peças, antes de serem de joalharia, ou de adorno, no mais estrito sentido da palavra, como eventualmente podem começar por parecer, são, de facto, formas propriamente escultóricas. Uma vez que elas não vestem, mas, pelo contrário, apropriam os corpos como se estes fossem seus suportes, para os reconfigurarem de um sentido novo que os torna, de certo modo, portadores performativos de novas plasticidades, muito para além daquelas que são proporcionadas pelas formas usuais do adorno ou do vestido.

O sentido ritual

Em certa medida poderemos afirmar que estas peças de Olga Noronha se destinam a reconfigurar os corpos, a redesenhá-los — já que depois repousam, fora deles, como as antigas armaduras medievais, que quando esvaziadas, se figuravam, nesse plano estático, como formas escultóricas típicas — e reinvestem-nos de uma presença excessiva. São, pois, aparatos, que revestem um sentido quase tribal, mas que mobilizam os corpos para funções que, todavia, ficam por compreender: como se comporta um corpo quando redesenhado por estas formas escultóricas? Como as deverá transportar? Como se reconhece, debaixo delas, enquanto corpo ou, ainda, em que medida o seu uso não os aponta já para uma nova função? Estas são questões que, inevitavelmente, não podemos deixar de nos colocar quando diante destas peças.

Mas, por outro lado, a sua eventual alusão a formas protésicas, que já referi para trás e que elas, sem pudor, apropriam, ao mimetizá-las, não nos esclarece do que poderia ser uma sua verdadeira e objectiva função. Nessa perspectiva elas são, de facto, próteses para nada, isto é, não se destinam a qualquer correcção ou muito menos a qualquer extensão realmente necessária ao próprio corpo.

Tal como as formas de adorno rituais, típicas do uso arcaico, que investiam os corpos dos que as transportavam de uma relação com um espaço e um tempo exterior (metafísico) em relação aos do mundo — colocando-o imediatamente numa relação directa com o sagrado (caso dos adornos faraónicos ou, em parte, das vestes e paramentos sacerdotais nas mais diversas religiões) — ou como as máscaras tribais, que serviam para conectar o corpo com o mundo habitado pelos antepassados ou, por vezes, com os próprios espíritos obscuros da animalidade, também as peças de Olga Noronha parecem revestir um sentido ritual, cujo objectivo, no entanto, desconhecemos, mas que nos deixa na maior perplexidade: que podem esperar os corpos daquelas formas de se vestir e de se revestir?

Como se relacionam, a partir desse uso, com os demais corpos envolventes?

Uma lógica paramentária

Na sua lógica paramentária, elas parecem destinar-se a colaborar com rituais misteriosos e sem sentido, tanto mais que as peças perderam, já, toda a funcionalidade que as poderia ainda ligar, num primeiro momento, ao design ou à joalharia, para as autonomizar, antes, num espaço plástico ambíguo. Um espaço que, na verdade, poderemos pensar como situando-se numa zona medial, algures entre a escultura e a performance. São, pois, da ordem da arte e, mais precisamente, da arte escultórica, anunciando desse modo, nas suas formas, questões típicas do que designamos por contemporaneidade. Questões ligadas directamente com as transformações do corpo nas derivas ditas pós-humanas, ou com as transformações do espaço perceptivo a partir do recurso à tecnologia (tal como se figura nos filmes de ficção científica) ou, ainda, com às relações entre o tempo do arcaico e o do tecnológico que, mais do que quaisquer outras, tipificam a arte do nosso tempo .

Tal como as operações sucessivas de Orlan ou as próteses delirantes de Stelarc, entre outros casos , também as peças para o uso escultórico do corpo, elaboradas em materiais comuns, de Olga Noronha, funcionam, de facto, como se estivessem destinadas a dotar os corpos que as transportam de uma função e de um movimento que são, agora, propriamente escultóricos e simultaneamente performativos.

Exactamente do mesmo modo que o uso das armaduras medievais servia, ao mesmo tempo, para proteger os corpos quando em situação de combate e, também, para figurar neles uma função simbólica (e, a seu modo, escultórica), que assinalava a sua passagem para uma ordem sobre-humana, que investia de uma força e superioridade militar aqueles que as usavam, também aqui o modo como estas novas “armaduras” reinscrevem os corpos se destina a designar, neles, outras e novas funções. Que, no seu caso, não são já as da guerra como, antes, as da arte.

O corpo performático

Aqui, e graças ao uso destas peças, é o próprio corpo que se torna escultórico, e mesmo performático, graças ao investir dessas extensões que o trans-formam. Extensões que lhe proporcionam toda uma outra imagem, do mesmo modo que as máscaras investiam os seus portadores, no espaço das culturas tribais, de uma outra relação com um espaço e um tempo que eram, de certo modo, transcendentais.

Assim, poderíamos dizer que elas são, de facto, próteses ou, pelo menos, que funcionam como formas protésicas. Formas destinadas agora já não a corrigir posições, ou eventuais deformações, dos corpos — como acontece nos usos mais correntes da osteopatia — como, antes, a corrigir ou a re-imaginar os corpos no interior de uma outra, e nova, funcionalidade, e de uma outra prática (ou uso) de si, que passa por os reinscrever e projectar no espaço mais geral da arte e da experiência (e do comportamento) estética.

Trata-se, pois, e através delas, de mudar os corpos da sua anterior função estritamente humana para os reencaminhar em direcção a uma outra, agora escultórica, artística, que, reinscrevendo os corpos de novas significações, os reveste também de nova e inesperada plasticidade, e a partir de aí, de uma nova relação com os demais corpos e com o espaço envolvente, pela sua reintegração no espaço, cada vez mais ilimitado, da arte.

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