Mais do que propriamente dark ou macabro o, não tão recente, conceito de Dark Tourism não é nada mais do que um choque de culturas, intenso. Uma colisão entre aquilo que define o nosso quotidiano, os padrões sociais que em manobramos o nosso dia-a-dia e aquilo que alguns lugares, muito especiais, nos oferecem: distanciamento e perspectiva. Para muitos de nós, o objetivo da viagem é precisamente esse: promover um afastamento tal que não nos resta senão o alheamento dos padrões sociais que regem a fatigante rotina a que o resto do ano nos condena. Para aqueles para quem o sentido e o ímpeto de viajar reside aí, nesse sentimento de estar longe que confere valor e singularidade à experiência de “ir”, viajar é muito mais do que descansar.

Dark Tourism também pode ser luz, se praticarmos uma espécie de empatia cultural

Se é verdade que locais como Auschwitz possuem uma aura incontornavelmente negra e opaca, que materializa uma forma de Dark Tourism impenetrável por qualquer tipo de luz , também é verdade que outros locais, à partida assustadores, são alegria e libertação.

Um bom exemplo disso, o Dia dos Mortos no México, uma cerimónia de origem pagã ou, se preferirmos, indígena, que se mesclou com a tradição católica – é um dia de alegria, de celebração e reencontro com os nossos entes queridos, que já partiram, que se faz de emoção plena.

Day of the Dead

Varanasi, o Dark Tourism numa cidade de magia e sonhos

O que se pode esperar de uma cidade onde mais de 200 corpos são cremados diariamente, a céu aberto, à frente de todos, na margem de um rio? Como podemos perspectivar uma experiência num local onde os homens santos se cobrem com as cinzas do mortos? Para muitos, colocar estas questões, desta forma, seria o suficiente para categorizar este como um destino de dark tourism e eliminá-lo da nossa “bucket list”. A verdade é que, na Índia e talvez no mundo, poucos destinos são tão enriquecedores. É necessário baixar a guarda, respirar fundo e adormecer os nossos padrões para seguir relativamente confiante mas, no retorno, voltamos diferentes, maiores e com outra perspectiva.

Sadhus, durante o nascer do sol no rio Ganges

Varanasi é para os hindus a mais sagrada das cidades. Mas não só. Peregrinações de monges busdistas, mesquitas e sikhs fazem todos parte de uma amalgama de crenças que conferem à cidade uma mística e atmosfera únicas. Para um ocidental, arrisco-me a dizer, é uma cidade quase mágica, onde, dadas as diferenças religiosas, no mínimo, todos parecem acreditar em magia.

Segundo a crença hindu, Varanasi terá sido fundada por Shiva, o que justifica a sua posição central na espiritualidade hindu. Para além disso, em Sarnath, a cerca de 10 quilómetros, encontramos o local onde Buda terá dado o primeiro sermão depois de atingir a iluminação. É nesses factos e crenças que reside o seu grande apelo, atraindo uma quantidade enorme de peregrinos que, ali chegados, são tomados por um sentimento de realização e de uma espécie de nostalgia religiosa. A soma desses sentimentos, que animam a maioria, torna a cidade tranquila e iluminada.

Até aqueles que atravessaram “meia” Índia, para cremar os entes queridos na margem dos Ganges, apresentam-se satisfeitos, não há lugar a prantos nem a choros. Crêem, na verdade, que o facto de a cremação ter ali alugar, contribui para que se purifiquem e termine o longo ciclo de reencarnações que, invariavelmente, tem esse fim como propósito. Haverá disparate maior do que dizer que esta gente, que confere alma à cidade, está a fazer dark tourism? Não, não haverá. Eles parecem fazer precisamente o oposto.

Do Nascer do Sol à cerimónia Aarti

Para quem ali vive e quem visita a cidade, a espiritualidade é vivida intensamente em todos o momentos do dia. Se, de madrugada, os hindus convergem para as margens do rio para rezar e para se banharem nas águas sagradas do rio Ganges, num fenómeno de luz, cores e fé tão lindo, quanto avassalador, à noite é de fogo que se fazem os contrastes.

Cerimónia Aarti em Varanasi

Durante as cerimónias Aarti, Sacerdotes brâmanes, em vários ghats da cidade, fazem danças sagradas com fogo enquanto milhares assistem em silêncio. Varanasi é, em todos os momentos, celebração. Celebra-se o dia, celebra-se noite, a vida e a morte. Será possível que quem tem o privilégio de experienciar tudo isto sinta que está a fazer dark tourism? Dependerá de cada um e da abertura com vive cada fenómeno da cultura local, mas…valerá sempre a pena.

No blog de viagem Backpackers Bay partilhámos toda a nossa experiência nesta cidade, com o detalhe e a proximidade que as palavras nos permitem…

Para mais informações
André Guedes Vaz – Backpackers Bay

In**@ba*************.com

FONTEBackpackers Bay
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André Vaz, 36 anos, Porto. Co-fundador e SEO manager do Press Point. Licenciado em Filosofia e com formação em Marketing Digital, trabalha no desenvolvimento de sites, em SEO e gere vários projetos de conteúdo.