
Desde o começo do COVID-19, os desafios diários dos pais mudaram de cenário. A casa, ambiente que antes acolhia, transformou-se em escritório e sala de aula, onde as demandas de home office e aulas online entraram no cotidiano alterando a rotina de todos. Para além disso, neste contexto de desafios acrescidos, os pais têm de descobrir como estimular a imaginação das crianças e, por outro lado, como gerir o uso crescente dos dispositivos eletrónicos.
De acordo com uma pesquisa de amostra, realizada por médicos do Hospital JK Lone, em Jaipur, na Índia, com 203 crianças de várias cidades, sendo 55% meninos e 45% meninas, cerca de 65% estão viciadas em dispositivos eletrónicos e sentem dificuldade em manter a distância destes, mesmo que por 30 minutos. Os dados para o estudo foram coletados em redes sociais, onde os pesquisadores enviaram questionários aos pais com o objetivo de estudar o impacto do isolamento na saúde das crianças.
Para a Contadora de Histórias, Pedagoga e Terapeuta Transpessoal Célia Gomes, o momento reclama a nossa preocupação e atenção com a saúde dos mais pequenos, “Acredito que tem acontecido um afastamento das crianças com as formas brincar tradicionais, os brinquedos, o cantar e o contato com o corpo, devido ao recurso excessivo a equipamentos eletrónicos durante o periodo de isolamento. Hoje em dia as crianças recebem tablets com um ano de idade e tendem a trabalhar a coordenação motora apenas tocando num ecrã. Brinco que elas vão perdendo a coordenação motora fina para mudar as páginas de um livro físico”, pontua a Pedagoga. Célia enfatiza a necessidade de equilibrar o mundo virtual com o real, “Eu não sou contra o mundo virtual e os equipamentos eletrônicos, mas eu acho que tudo tem o seu momento e quando há falta de interação com o corpo, com esse universo mais lúdico, realmente pode começar a ser prejudicial”.
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Os resultados da pesquisa na Índia ainda mostraram que um total de 65,2% das crianças relataram problemas físicos, e 70% estão enfrentando problemas comportamentais. O estudo concluiu que o isolamento social trouxe um impacto negativo na saúde física, mental e emocional das crianças, o que está a potenciar sono de baixa qualidade, distúrbios psiquiátricos e discórdia entre pais e filhos.
Como estimular a imaginação das crianças, quando as brincadeiras habituais não são possíveis?
A Contadora de Histórias acredita que descobrir como estimular a imaginação das crianças pode promover a união entre pais e filhos, “As narrativas e as histórias são pérolas para podermos estimular a imaginação durante esse momento tão desafiador, contar histórias, muitas histórias. As crianças vendo os pais muito tensos, preocupados ou sem trabalho sentem a tensão, sentem também as suas perdas por falta de contato com os amigos. A falta do brincar pode abrir espaço para o campo das histórias, sendo elas um recurso fundamental”, acrescenta Célia.
A Pedagoga acrescenta ainda que para o desenvolvimento cognitivo e criativo das crianças, é essencial o processo de estimulação constante da imaginação, “Acredito que quando estamos desenvolvendo potencialidades tudo que o não é estimulado pode atrofiar, e a nossa capacidade de imaginação funciona assim. Quanto mais estímulo para a imaginação mais ela se desenvolve, quando há apenas esse contato com o mundo concreto não há esse espaço interno, o que acredito que tem causado ansiedade nas crianças. Eu percebo que tem havido muitas queixas de pais procurando terapia por essa razão. Temos muitas pesquisas que falam sobre a relação entre a tecnologia e a ansiedade, e este momento de pandemia tem sido de observação”.
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Célia acredita que narrativas onde se insere a natureza como pano de fundo para a imaginação, um portal essencial para o mundo interno pode ser estimulado nas crianças, podem responder à questão de como estimular a imaginação das crianças no contexto atual. “Jogos e brincadeiras inspirados na imaginação ativa junguiana trabalham de uma maneira leve como numa brincadeira, e são bons recursos para trabalhar com o estímulo de imagens que as levem para a natureza, em contato com cascatas, campos, baús e portas misteriosas, fazendo com que a sensação do retorno seja revigorante e alegre no campo mental, emocional e fisico, como se ela estivesse vivenciando um passeio de verdade. Dependendo da abertura dos pais, essa experiência pode ser desdobrada numa brincadeira poética, transformando-se num desenho ou numa pintura, ou encenando o que foi vivenciado na história, podendo criar novos mundos dentro de casa por meio dela.”, sugere a Terapeuta.
Como estimular a imaginação das crianças no ensino à distância?
A Pedagoga sugere ainda a possibilidade dos professores trabalharem a imaginação ativa nas salas de aula virtuais, “Os professores embora tenham esse desafio com a questão do tempo da aula virtual, além de captar a atenção dependendo da idade das crianças, também pode trazer histórias e narrativas, como a do Mágico de Oz, por exemplo. A ideia pode ser estimulá-los contando partes da história em cada aula, ou talvez sugerindo que cada um faça uma tarefa ligada à história, por exemplo, ou ainda trabalhar com imagens trazendo a história de maneira mais viva nos vídeos através dos livros que podem ser digitalizados.”
A Contadora de Histórias que atua há 15 anos em hospitais, já levou a imaginação ativa para casos de crianças que vivem em isolamento constante, presenciando momentos essenciais para a saúde mental e física de alguns deles, além de perceber que através delas é possível reacender o sentimento de esperança, “Lembro-me de uma época em que eu estava utilizando a temática de animais com crianças no INCOR, num determinado dia contando histórias de animais a um menino, ele agradeceu-me, dizendo que as histórias o ligaram com os bichos do sítio onde ele morava com a família, o que levou a sensação de estar mais próximo de casa. Esta sensação trouxe uma perspectiva de que aquilo voltaria a acontecer em algum momento”, finaliza Célia.
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Juliana Veloso | [email protected]