A tolerância imunológica é responsável por manter o sistema imunitário equilibrado, ou seja, ataca os agentes invasores e não reage contra os seus próprios órgãos, tecidos ou células. Quando esta tolerância se perde, o sistema imunológico reage de forma descontrolada e exagerada, podendo originar doenças autoimunes. Mas afinal o que provoca esta perda de tolerância do sistema imune? E quais são os momentos-chave em que isso acontece, para que seja possível detetá-los e evitá-los antes do doente ter sintomas? A resposta será dada por quatro investigadores europeus, entre os quais uma portuguesa, que esta semana receberam uma ERC Synergy Grant, atribuída pela Comissão Europeia, no valor de 10 milhões de euros.
Denominado «GlycanSwitch: Glicanos como interruptores principais da atividade das células B na autoimunidade», o projeto resulta de uma sinergia entre quatro investigadores principais: Salomé Pinho, líder do grupo «Immunology, Cancer & GlycoMedicine» do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), dois cientistas do Centro Médico Universitário de Leiden (LUMC), Países Baixos, e um investigador da empresa Genos e da Universidade de Zagreb, na Croácia.
As doenças autoimunes são doenças crónicas, debilitantes, podendo em alguns casos ser fatais, e com altos custos médicos e sociais. Como grande parte delas são incuráveis e as de elevada incidência – como a Artrite Reumatoide, Lúpus Eritematoso Sistêmico, diabetes juvenil (tipo 1) e Doença Inflamatória Intestinal – «têm vindo a aumentar em todo o mundo, estas doenças são consideradas um importante problema de saúde pública que necessita de intervenção urgente», sublinha Salomé Pinho. «Existe uma necessidade premente de compreender os mecanismos celulares e moleculares que provocam o descontrolo na resposta inflamatória e a perda de imuno-tolerância», acrescenta a investigadora.
Em concreto, explica, «pretendemos compreender porquê, como e quando é que as modificações de glicanos (açucares/carbo-hidratos) nas células B (um tipo de linfócitos/células imunes que atuam na resposta inflamatória e na produção de anticorpos) atuam como interruptores-mestre que desencadeiam a atividade anormal das células B, resultando assim na produção de autoanticorpos patogénicos associados à perda de tolerância imunológica e ao desenvolvimento da autoimunidade».
Evidências serão depois validadas em doentes com doenças autoimunes
No contexto do que significa uma ERC Synergy Grant, este projeto caracteriza-se pela «existência de uma verdadeira sinergia entre os quatro Investigadores Principais, em que o todo é maior do que a simples soma das partes», esclarece a investigadora do i3S. «Existe uma combinação única de know-how em reumatologia, imunologia e glicobiologia que, combinadas com a utilização de tecnologia avançada em glicoproteómica e glicómica, assim como a utilização de protótipos celulares e modelos animais únicos de doença autoimune, irá permitir uma abordagem transformadora e desvendar a causa da perda de imuno-tolerância e do desenvolvimento de doenças autoimunes», acrescenta.
«Trata-se de um projeto que completará o ciclo: da molécula ao doente; uma vez que as evidências experimentais que irão ser geradas serão validadas em doentes com doenças autoimunes como é o caso da artrite reumatoide», garante Salomé Pinho. A constante partilha de recursos científicos e humanos, de modelos experimentais e de tecnologia avançada entre os quatro Investigadores e respetivos institutos «vai permitir uma verdadeira sinergia científica que vai potenciar a descoberta. Existe uma verdadeira interdependência entre todos os participantes ao longo da execução do projeto e em prole de um mesmo objetivo».
Para Salomé Pinho, ganhar um projeto ERC, ainda por cima uma ERC Synergy Grant, que é a terceira vez que é atribuída a um português, «é atingir o expoente máximo do reconhecimento mundial da excelência da investigação e da ciência que desenvolvemos. A elevada competitividade que caracteriza os projetos ERC, a exigência científica e o rigor metodológico que caracterizam as avaliações dos projetos ERC pela Comissão Europeia através de um leque diverso e variado de revisores e experts mundiais de todas as áreas científicas que avaliam os projetos, revela a exigência do processo e torna este desfecho altamente gratificante».
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Mais do que um reconhecimento individual, reconhece Salomé Pinho, esta ERC representa um «reconhecimento coletivo do mérito da excelente equipa que me tem acompanhado ao longo dos anos e da excelência científica do instituto a que pertenço, o i3S».
Sobre Salomé Pinho…
Doutorada em Ciências Biomédicas pelo ICBAS, com investigação desenvolvida no Ipatimup e na Boston Medical School, nos Estados Unidos, Salomé Pinho fez o pós-doutoramento no Ipatimup na área da glicobiologia e imunologia. Atualmente, é líder de um grupo de investigação no i3S e professora afiliada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). A sua investigação centra-se no estudo de glicanos (açucares) no desenvolvimento e progressão de doenças inflamatórias cronicas e autoimunes (que inclui a doença de Crohn, a colite ulcerosa e o Lupus), assim como do cancro gastrointestinal.
No currículo da investigadora constam vários prémios internacionais como o “Young Investigator Award” da European Association for Cancer Research (EACR) e um prémio da European Crohn´s and Colitis Organization (ECCO), destinado a financiar o desenvolvimento de uma nova estratégia terapêutica na área da Doença Inflamatória Intestinal. De destacar também as distinções atribuídas pela Sociedade Americana de Glicobiologia em parceria com a Oxford University Press (com o “Glycobiology Significant Achievement Award em 2020), pela CCFA (Crohns & Colitis Foundation of America) e pela IOIBD (International Organization for the study of Inflammatory Bowel Disease), assim como o financiamento de um milhão de euros, atribuído em 2019 pelo Departamento de Defesa Americano (U.S. Department of Defense). Em 2021 recebeu o Prémio Nacional de Investigação em Autoimunidade, atribuído pelo Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes (NEDAI) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e o Prémio Pfizer, na categoria de investigação clínica em 2021, pelo trabalho desenvolvido na área do Lúpus Eritematoso Sistémico (LES). Em outubro deste ano, o projeto europeu «GlycanTrigger», que lidera, foi financiado com sete milhões de euros pelo Programa Horizon Europe da Comissão Europeia.
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Luísa Melo
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