Os países ocidentais, sobretudo os mais ricos e onde há uma cultura mais individualista, são os mais afetados pelo burnout parental. A conclusão é de um estudo internacional sem precedentes, que envolve mais de uma centena de cientistas de 42 países, incluindo Portugal.
Liderado pelas investigadoras Isabelle Roskam e Moïra Mikolajczak, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, em Portugal o estudo é coordenado por Anne Marie Fontaine, professora da Universidade do Porto (UP), e Maria Filomena Gaspar, professora da Universidade de Coimbra (UC) e investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES).
O grande foco desta investigação internacional pioneira foi perceber se a incidência do burnout parental depende do contexto cultural do país em que se desenvolve, refletindo a preocupação da comunidade científica com o burnout induzido pelo stress associado ao cuidado de crianças e adolescentes – burnout parental –, uma condição que traz sérias consequências quer para os adultos cuidadores, quer para as crianças.
Cultura desempenha um papel crucial na incidência do burnout parental
Os resultados do estudo, já publicado no jornal científico Affective Science, evidenciam que a cultura, mais do que fatores socioeconómicos, desempenha um papel crucial na incidência do burnout de pais e mães, ou seja, as conclusões não deixam margem para dúvidas: nos países ocidentais mais ricos e onde há uma cultura mais individualista, as famílias em média têm menos filhos e são mais afetadas pelo fenómeno.
Isto significa que os valores individualistas nos países do Ocidente podem submeter cuidadores a níveis mais elevados de stress. «Esta descoberta leva-nos a repensar a máxima do ‘cada um por si’, que se espalha pelo mundo», afirma Isabelle Roskam.
Por sua vez, Anne Marie Fontaine nota que, «nos países individualistas, há o culto à performance e ao perfecionismo, e isso tem sido estendido também ao exercício do papel parental».
«A parentalidade nesses países pode ser uma atividade muito solitária, diferentemente do que ocorre em culturas mais coletivistas, como é o caso dos países de África, em que há um envolvimento maior de toda a comunidade na educação das crianças», sublinha Maria Filomena Gaspar. Além disso, acrescenta, «o individualismo tem-se agravado pela atual situação pandémica, em que as famílias nucleares encontram-se mais isoladas das suas redes de apoio habituais».
Confinamento fez aumentar exaustão parental
Considerando a atual crise de saúde, a equipa portuguesa também desenvolveu um estudo em que foi possível verificar um aumento da exaustão parental durante as medidas restritivas de confinamento. «Comparando-se os níveis de stress percecionados por pais e mães nos períodos anteriores e durante a pandemia, verificou-se um aumento para ambos os cuidadores. No entanto, é interessante ressaltar que este aumento da exaustão foi mais acentuado nos pais do que nas mães», afirma Joyce Aguiar, uma das autoras do estudo.
«Sabendo que Portugal é um país onde as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças, esta maior propensão dos homens ao burnout parental deve-se não ao volume de tarefas parentais que de facto eles tenham assumido durante a pandemia, mas à ausência de recursos emocionais para lidar com as pressões de cuidar dos filhos nas atuais e desafiantes condições – em confinamento, sem apoio da família extensa, com o ensino à distância e o teletrabalho, por exemplo», esclarece.
Porém, refere ainda Maria Filomena Gaspar, «é de realçar que houve também pais e mães em Portugal que viveram o confinamento como uma oportunidade de redução do burnout parental com, respetivamente, 18,7% dos homens e 26,6% mulheres a relatarem essa melhoria».
«É fundamental que psicólogos clínicos e demais profissionais de saúde conheçam o burnout parental para que possam reconhecer os seus sintomas quando eventualmente se depararem com pais e mães nesta condição, que facilmente pode ser confundida com depressão. Para auxiliar no diagnóstico, fizemos uma adaptação ao português do Parental Burnout Assessment, publicada no New Directions for Child and Adolescent Development», finaliza Marisa Matias, membro da equipa e que trabalhou em conjunto com investigadoras do Brasil, de modo a garantir que o instrumento fosse adaptado tanto ao português europeu quanto brasileiro.
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O artigo científico sobre o estudo, com o título “Parental Burnout Around the Globe: a 42-Country Study”, está disponível aqui.
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Cristina Pinto
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